segunda-feira, 16 de julho de 2007

Nada é do jeito que era, nada será como é...

Nada é do jeito que era, nada será do jeito que é. Mudança sobre mudança, o ritmo é vertiginoso –e tende a acelerar. Cada espaço e cada instante, cada atividade é tomada pela revolução em curso. Não é apenas o dilúvio informativo, na feliz expressão do pensador francês Pierre Levy: informação disponível a toda hora em todo lugar, por todos os canais. A nossa já era a sociedade da informação antes de internet. A produção, o armazenamento e a distribuição de conteúdos digitais e a criação de redes informativas vieram para acelerar processos que já estavam em curso.

O que de verdade mudou, e que não deixa ninguém fora dos efeitos da revolução digital, é o modo em que as pessoas se comunicam. As pessoas, não: todos nós. Para falar com um familiar distante usamos MSN ou Skype... ou mail, se tivermos mais de 30 anos. Para manter o contato com colegas de trabalho, LinkedIn e Gmail. Para nos mantermos informados sobre uma especialização recebemos newsletters eletrônicas e acessamos sites e blogs, e usamos ferramentas que nos mantêm atualizados sobre toda e qualquer notícia que apareça sobre algum assunto (se o leitor não estiver familiarizado com a ferramenta, pode visitar http://www.google.com/alerts). Mas a comunicação não acaba no diálogo escrito ou falado, na notícia, no anúncio... Também nos comunicamos quando trocamos arquivos, quando aprendemos, quando compartilhamos fotos, quando avaliamos produtos, quando encomendamos serviços, quando pesquisamos preços, quando reclamamos por um mal atendimento... Tudo é comunicação e tudo mudou, está mudando e ainda irá mudar.

Como definir o que isso representa para usuários e empresas? Tende-se a restringir os alcances da revolução aos seus efeitos mais evidentes, perdendo de vista o essencial. Significa que para muitas empresas, estar prontos para a nova era se traduz por ter contratado um estúdio de design para fazer um bonito site. Nada mais errado, nada mais perigoso. É preciso ver qual é o alcance das mudanças provocadas pela revolução digital.

Ao mudarem as formas (na tecnologia e nos hábitos) da comunicação, muda a maneira em que empresas e consumidores se relacionam. Os impactos, claro, são diferentes segundo de que indústria ou atividade se trate: o setor das telecomunicações percebe de maneira mais direta e imediata as ameaças do que o da química industrial, o da educação vê com mais clareza as oportunidades se abrirem do que o da indústria naval. Até no interior de uma mesma indústria o impacto não é homogêneo –o jornal impresso está mais perto da linha da nova fronteira do que a revista bimestral, como o telegrama morreu nos EUA enquanto a carta continua e os serviços como DHL e FedEx só fazem é crescer por conta do comércio online. O que é certo é que ninguém fica fora daquilo que traz a nova era da comunicação digital em rede.

Os usuários têm mais poder do que tinham, e esse poder vem da maior informação disponível, somada aos meios para adquirir, comparar e manejá-la. Não apenas o fabricante deve fornecer boas informações no seu site: ele também deve saber que os usuários trocarão opiniões e dados que irão influenciar na hora da compra. Isso, sem contar com os sites especializados na avaliação e comparação de produtos, um filão crescente na internet. O que significa que o call center e o vendedor na loja devem estar prontos para lidar com consumidores mais informados, mais exigentes, mais desconfiados. Que as perguntas do consumidor serão mais agudas e complexas do que jamais o foram, que o consumidor pode ser um expert antes mesmo de comprar o produto. E que se ele se sentir ludibriado, irá compartilhar seu desapontamento com potenciais compradores do produto. Cada vez mais é verdade que o que importa não é o que você diz sobre a sua marca, mas o que eles dizem –entendendo por eles um conjunto difuso, que inclui consumidores reais e potencias, consumidores da concorrência, formadores de opinião, influenciadores....

Para enfrentar os efeitos eventualmente negativos desta mudança e aproveitar as oportunidades, as empresas devem incorporar novas competências: bem além do manual e do treinamento básico, que bastavam 10 anos atrás, faz-se indispensável desenvolver um website adequado, monitorar aquilo que está sendo dito na internet e preparar as equipes para lidar com este novo consumidor: vendedores mais aptos a responder perguntas e questionamentos, call center atendidos com inteligência e flexibilidade, programas diferenciados de treinamento e capacitação.... Isto é, as indústrias, de modo geral, devem incorporar competências que antes eram apenas correntes nos setores chamados de serviço.

E chegamos, assim, pelo caminho do mais óbvio, que é o modo diferente em que as pessoas se relacionam com os produtos e os serviços oferecidos pelas empresas, ao coração da mudança que a revolução digital traz para as indústrias: vivemos cada vez mais numa era de serviços, em que o consumidor se sabe mais poderoso e exige mais. Para quem já era prestador de serviço, a barra ficou mais alta, mas para quem se definia por produto, há uma nova (e complexa) barra a ser superada. Com efeito, a fronteira entre produto e serviço se faz cada vez mais difusa. Hoje todo mundo presta, de uma maneira ou de outra, alguma forma de serviço. A rigor, isto pode não ser algo novo. Foi dito alguma vez que as pessoas não querem comprar uma broca de 8 mm, as pessoas querem fazer um buraco de 8 mm... caberia pensar que as pessoas não querem nem comprar uma broca de 8 mm nem fazer um buraco de 8 mm, mas pendurar uma estante na parede; ou, um passo além, elas querem se sentirem úteis e hábeis, bons pais e maridos, homens completos ou mulheres descoladas e independentes. A novidade é que não dá mais para ignorar o caráter de serviço que os novos hábitos de comunicação conferem a quase todas as atividades econômicas.

Falávamos em marca: nunca foi tão importante o trabalho de branding, e o motivo disso não é apenas (apenas!) que as pessoas têm mais poder para decidir e que é mais difícil capturá-las, convencê-las e, sobre tudo, retê-las. Branding é importante porque o modo em que as pessoas se relacionam com os produtos e o serviços está em pleno processo de mudança –e isso é conseqüência da nova cultura da comunicação. Passou o tempo em que bastava que uma marca identificasse o que você faz, quais os benefícios que você oferece: agora se trata, também e sobre tudo, de dizer quem você é.

Todo o que foi dito até aqui (que é apenas uma fração menor da revolução em curso) significa que muitas estratégias precisam ser mudadas. Isso tem reflexo em várias áreas da empresa (se não em todas) : de TI, que deve se enfrentar a novos paradigmas e a novas práticas, a RH, que deve contratar, treinar e reter gente com competências novas. Os executivos sabem que não basta com aquilo que os trouxe até aqui, que para não serem levados pela correnteza (ou o tsunami?) da mudança deverão desaprender muito do que sabem e incorporar habilidades e conhecimentos insuspeitos pouco tempo atrás. E os trabalhadores, de modo geral, são exigidos a deixar as chamadas zonas de conforto, sob risco de cair fora do tabuleiro.

O mais difícil disso tudo, para as empresas enquanto organizações e para as pessoas, os indivíduos que nelas trabalham ou que as conduzem, é a gestão da mudança. Começamos este artigo dizendo que todo mudou e que tudo ainda irá mudar. Como lidar com mercados e industrias num cenário instável como o que estamos vivendo? A resposta está numa palavra que precisa ser encarada como mais do que apenas uma moda: inovação. Trata-se de preparar equipes e empresas, pessoas e processos, para renovar os modos de ver, de fazer, de avaliar, de conduzir –e isso é bem mais fácil de dizer do que de implementar. Inovação é a única possibilidade de crescer e de sobreviver às tecnologias disruptivas, às viradas bruscas dos mercados, às demandas renovadas de novas e imprevisível gerações de consumidores. Uma tecnologia disruptiva é aquela capaz de tornar obsoletas tecnologias dominantes, conforme o professor Clayton Christensen descreve nos seus livros O Crescimento pela Inovação - Como crescer de forma sustentada e reinventar o sucesso e O Dilema da Inovação - Quando novas tecnologias levam empresas ao fracasso. Alguns poucos exemplos de tecnologias disruptivas são o barco a vapor (que acabou com os navios a vela), o carro (que tirou os cavalos do mercado de transporte) e, mais recentemente, a fotografia digital, a fita cassete, o CD, o MP3. (Note-se que os últimos três exemplos vêm num processo acelerado de substituição do que por décadas fora o império do vinil, o que não é casual). Os livros do professor Christensen procuram dar resposta a uma única, simples pergunta: por que empresas bem administradas, por gente competente e com recursos adequados, fracassam?

Se a pergunta assusta, a resposta pode aterrorizar: Porque fizeram tudo corretamente. O que significa que fizeram tudo corretamente num cenário que estava mudando ou que iria mudar de uma maneira que nenhuma ferramenta de gestão disponível poderia ter previsto. Assim, em tempos de mudanças muito grandes, o caminho certo, sensato e razoável, pode ser o caminho para o fim.

É preciso incorporar práticas de inovação nas empresas, inclusive ou sobre tudo nas mais bem-sucedidas. Mas falar de mudança e de inovação é coisa que muita gente faz. Mudar e inovar efetivamente, já são poucos. Quem quiser mais do que apenas sobreviver deverá aprender como fazer a mudança acontecer –não apenas falar dela.


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