terça-feira, 13 de novembro de 2007

Uma coluna de Maurizio Mauro

No Meio & Mensagem desta semana (veja no site de M&M clicando aqui)

Um bom amigo e casualmente leitor, Andrés Bruzzone, mandou-me um e-mail comentando minha coluna do mês passado a respeito do valor do conteúdo na internet. Como foi o único e-mail argumentativo que recebi nessa nova atividade de colunista, sinto-me na obrigação de voltar ao tema e comentá-lo. Este debate se faz mais difícil na medida em que o conceito de valor é um dos mais complexos das relações econômicas da sociedade. Os conceitos de custo e preço são bem estabelecidos e de fácil compreensão e manuseio, mas o que é valor, o que é valor do conteúdo, entendendo conteúdo como uma obra do espírito humano? Van Gogh, assim como muitos artistas até hoje, morreu miserável porque, em vida, o preço de suas obras era insignificante. Isso quer dizer que sua pintura não tinha valor? Difícil conclusão se considerarmos o que “vale” hoje em dia um quadro dele. Claro que há exemplos contrários, em que as obras tinham preços altos em vida mas, hoje em dia, ninguém se dispõe a pagar um tostão furado por elas.

Voltando ao e-mail, depois de, com generosa sutileza, deixar claro que minha argumentação estava muito hermética, Andrés chama a atenção para o fato de que o dilema do valor do conteúdo é mais um fenômeno da era da internet do que uma questão da plataforma internet. Concordo em parte! Certamente que é mais um sintoma dos tempos, mas claramente originado na evolução dessa tecnologia tão caracteristicamente schumpeteriana. Outro argumento interessante é a característica de reprodutibilidade do conteúdo. Assim, na sua avaliação, o valor do conteúdo diminuiria à medida que este mesmo conteúdo fosse de fácil replicação. Os exemplos, hoje em dia clássicos, são os CDs de música e os capítulos de livros. Sem dúvida, a capacidade de reprodução e principalmente a redução do custo de distribuição parecem ser fatores determinantes do valor do conteúdo, mas sinceramente eu tenho alguma dúvida. Olhando para o caso dos CDs de música, que parecem ser um produto fadado à extinção, dois fenômenos muito interessantes emergem: por um lado, a venda de músicas individuais mostra um sucesso sustentado, e, por outro lado, voltou-se a produzir discos de vinil, vendidos a preços bem altos para a razoavelmente pequena comunidade de fanáticos, pois o vinil é o mais fiel meio de reprodução de som que se conhece. Estes dois casos induzem uma conclusão interessante: por um lado, que o CD não é um veículo adequado, em conveniência e custo, para distribuir uma música individualmente; por outro lado, que o vinil é o melhor veículo para distribuir a melhor qualidade de som. Mas e o valor do conteúdo? Vejam que em nenhum dos dois casos a questão do valor do conteúdo se apresentou. Aqui cabe uma notícia realmente interessante: a editora de Harvard começou a vender capítulos de livros e o sucesso, principalmente entre os estudantes e os leitores casuais, tem se mostrado muito promissor.

Assim ocorre com informações “hiperquentes”, como cotações de Bolsa que têm o seu valor na tempestividade de sua disponibilidade, mas neste caso o que tem valor é o sistema de distribuição que viabiliza essa tempestividade. Assim é o caso de um texto sobre a noção do progresso moral em Kant, pois o que vale a pena pagar é a facilidade para utilizá-lo e não a sua leitura — que é gratuita em qualquer biblioteca minimamente séria.

Antes de abordar o último comentário do meu amigo/ leitor, permito-me voltar ao exemplo de um quadro cuja replicação é quase impossível. Conheço gente que tem paixão infinita por admirar um quadro, e a pessoa que o possui nem o olha. Assim como proprietários de quadros que não permitem a sua exposição pública sob nenhuma hipótese. Em nenhum desses casos a questão do valor do conteúdo se põe: o primeiro não pode pagar, o segundo paga pela sua capacidade de comprar e o terceiro atribui valor a seu egoísmo.

Por fim, Andrés introduz o espinhoso tema da legalidade/ moralidade da compra não oficial de um conteúdo, ou de quanto alguém está disposto a pagar para não infringir a lei ou a moral estabelecida. De novo aqui não se põe a questão do valor do conteúdo e sim o preço de não confrontar a sociedade. Querer aprofundar essa abordagem levaria inexoravelmente à discussão do direito de propriedade, no caso de conteúdos, ao direito autoral. Sinceramente, essa discussão não cabe nesta coluna dedicada à gestão estratégica, e estrategicamente falando creio que, na construção de uma proposta de negócio, o conteúdo tem um papel de diferenciação e a determinação do preço deriva de algum outro fator.

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